30/4/2010
Ministra Cármen Lúcia profere voto pela manutenção do texto da Lei de Anistia
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou, nesta quinta-feira (29), o voto do ministro Eros Grau que, ontem (28), votou pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, pela qual o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pretendia uma revisão da lei de anistia, para dela excluir o perdão aos agentes do Estado que praticaram arbitrariedades contra os opositores do regime militar.
A Lei 6.683/79 garantiu anistia a autores de crimes políticos (ou conexos) e eleitorais no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. A OAB, entretanto, pretende uma mudança da interpretação da lei, pedindo que seja feita conforme a Constituição Federal (CF).
Impossibilidade pela via judicial
Assim como o relator da ADPF, ministro Eros Grau, também a ministra Cármen Lúcia votou no sentido de que, 30 anos depois do surgimento da lei, resultante de um acordo entre os vários segmentos da sociedade no momento de transição de um regime autoritário para o democrático, não poderia ocorrer, agora, pela via judicial.
Segundo os dois ministros, isso somente poderia ocorrer pela via legislativa, porém sustentaram que não é possível ignorar o momento histórico em que ela foi concebida. A ministra lembrou que, na época, o MDB, partido de oposição, pediu um parecer da OAB sobre o texto e, somente depois da manifestação da entidade, posicionou-se a favor da lei da anistia.
Ela lembrou que o relator da proposta na OAB, então conselheiro da entidade e posteriormente ministro do STF, Sepúlveda Pertence (aposentado), destacou, na época, o caráter atroz da tortura e das demais atrocidades praticadas nos desvãos da repressão por agentes do governo contra opositores do regime militar. Mesmo assim, manifestou-se favoravelmente ao texto, por entender que ele representava o que era possível, na época, e por vislumbrar nele um passo adiante no sentido da pacificação do povo brasileiro e de transição para um regime democrático.
Lei não exime o Estado
A ministra Cármen Lúcia ressaltou, entretanto, que, embora tendo anistiado, além dos autores de crimes políticos, também os dos crimes conexos a eles em toda a sua extensão, a lei não exime o Estado da responsabilidade pelo que ocorreu nos desvãos do regime militar.
Segundo ela, é dever do Estado abrir informações ao cidadão e permitir a ele respostas a todas as suas indagações referente ao que ocorreu durante o regime militar. Segundo ela, todo povo tem o direito de conhecer a sua história, saber o que ocorreu, mesmo nos piores momentos dela. Isto porque, como acentuou, é importante não esquecer para não repetir erros cometidos no passado.
Ilegitimidade
Ela refutou, a exemplo do que já fizera ontem o ministro Eros Grau, o argumento de que o Congresso que aprovou a Lei de Anistia era ilegítimo, porquanto subserviente ao regime militar e por haver, no Senado, a figura do "senador biônico", nomeado pelo regime de então.
Além de lembrar que a Lei de Anistia foi fruto de um acordo entre intelectuais, profissionais liberais, estudantes e outros segmentos da sociedade, ela lembrou que também o Congresso que votou a Constituição de 1988 ainda era integrado por biônicos. Portanto, pelo raciocínio da OAB em torno da Lei de Anistia, também a atual CF careceria de legitimidade.
Lei penal às avessas
A ministra disse também que, sob o ponto de vista do direito penal, a OAB estaria pedindo uma "lei penal às avessas". Isto porque, 30 anos depois, "em matéria penal, não seria possível retroagir, senão para beneficiar até os autores das atrocidades".
Além disso, ela lembrou que o STF já firmou entendimento no sentido de que não cabe revisão criminal quando a pretensão se basear em mudança de interpretação de lei. Nesse sentido, ela citou as ações de Revisão Criminal 4645 e 4603, relatadas, respectivamente, pelos ministros Néri da Silveira (aposentado) e Xavier de Albuquerque (aposentado), bem como o Recurso Extraordinário (RE) 103601, relatado pelo ministro Moreira Alves (aposentado).
A ministra admitiu que a Lei de Anistia de 79 não foi a melhor, mas a possível, naquela quadra histórica. Ela recordou que o projeto foi recebido "com críticas ásperas", mas acabou prevalecendo como uma esperança de pacificação e de transição para o regime democrático.
"Não vejo como julgar o passado com os olhos apenas de hoje", observou a ministra Cármen Lúcia, ao concluir seu voto pela manutenção do texto atual da Lei de Anistia e contra a sua reinterpretação.
"Não há dúvida de que a tortura não tem conexão com o crime político. Mas não vejo como, para efeitos jurídico-penais, reinterpretar a lei, 30 anos depois".
TV Justiça
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