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terça-feira, 21 de setembro de 2010

Correio Forense - Regulação do urânio no Brasil e o meio ambiente - Direito Ambiental

19-09-2010 21:00

Regulação do urânio no Brasil e o meio ambiente

O urânio é um minério que possui a peculiaridade da emissão de partículas radioativas, aproveitadas para produzir calor. Por esse motivo tem o seu maior aproveitamento na indústria nuclear, como combustível em usinas térmicas para geração de energia elétrica.

Apesar de não se tratar de uma fonte de energia renovável, seu aproveitamento como combustível energético é bastante otimizado, uma vez que 1kg de urânio corresponde a 10 toneladas de petróleo e 20 toneladas de carvão. Além disso, sua emissão de gases causadores do efeito estufa é mínima, se comparada com aquela dos combustíveis fósseis.

A Austrália, o Cazaquistão e a Rússia possuem as maiores reservas de urânio do planeta, ocupando o Brasil a sétima posição no ranking. Contudo, apenas 30% do território nacional foi prospectado, motivo pelo qual estudos indicam que o Brasil pode ter a segunda maior reserva de urânio do mundo, podendo passar a ocupar o primeiro lugar no ranking.

A Constituição Federal de 1988 manteve, no art. 21, XXIII e no art. 177, o monopólio da União para toda a cadeia do urânio, da mineração à geração de energia elétrica. De modo a exercê-lo, há duas empresas estatais, uma responsável pela pesquisa e lavra de urânio (Indústrias Nucleares Brasileiras-INB) e outra pela geração de energia nuclear (Eletrobrás). No que se refere à fiscalização das atividades que envolvam o mineral e a destinação final dos rejeitos radioativos, esta cabe à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), autarquia federal que criou a Norma 1.13, Licenciamento de Minas e Usinas de Beneficiamento de Minérios de Urânio e/ou Tório.

Diante da magnitude dos impactos ambientais da mineração de urânio, bem como da geração nuclear e, considerando tratar-se de um setor estratégico para o país, ambas estão sujeitas ao prévio licenciamento ambiental por parte do Ibama (art. 4º, IV, Resolução Conama nº 237/97). Outros órgãos ambientais intervêm durante o processo, como as agências ambientais estaduais e a administração de Unidade de Conservação.

A Licença Prévia (LP) é a primeira licença ambiental a ser obtida e para tal deve ser apresentado um estudo de impacto ambiental, assim como um plano de recuperação da área degradada (art. 3º, Decreto n° 97.632/89).

Não obstante o procedimento aparentemente estendido, a atual legislação ambiental carece de especificidades técnicas necessárias à segurança do meio ambiente e da saúde da população, além de uma fiscalização ineficiente pelo órgão ambiental, muitas vezes decorrente de falta de recursos humanos e de conhecimento técnico específico para a atividade, e mesmo de recursos tecnológicos. Nesse sentido, é importante haver uma norma específica regulando o licenciamento das atividades de pesquisa e lavra de urânio, tal qual a Resolução Conama nº 23/94, que trata do licenciamento ambiental das fases de sísmica, prospecção, produção e exploração de petróleo e gás.

O urânio, por ser um minério radioativo, deve ser manejado de forma cautelosa, de modo a não gerar danos ambientais. E, além de todas as consequências sabidas, um dano como esse acarreta, ainda, vultosos custos para o próprio empreendedor com medidas de reparação e compensação. Por esse motivo, se mostra cada vez mais necessário o reforço dos programas internos de monitoramento ambiental, que deve ser constante, e acompanhamento tanto do funcionamento quanto do fechamento da mina, pois os principais problemas ambientais estão relacionados a essas etapas. Em ambas as fases, os recursos mais atingidos são os hídricos, a flora e o solo.

Em muitos casos, a recuperação de áreas degradadas pela exploração de urânio consiste na relocação do solo contaminado, bem como na prevenção e controle de erosões, geralmente feito com vegetação. Por vezes, a contaminação tem alcance tão extenso que a remoção de todo o solo contaminado torna-se inviável, podendo até obstar a extração do mineral.

A exploração da atividade mineraria do urânio obrigatoriamente demanda custos altos com a rubrica meio ambiente, custos esses nem sempre disponíveis no orçamento da União. É papel fundamental do Estado prover serviços essenciais e não vemos a mineração de urânio como um serviço essencial. É sim uma atividade meio (o fim seria a geração de energia elétrica) que, como qualquer outra que explore recursos naturais, deve receber investimentos suficientes para operar com segurança e sofrer todo o tipo de fiscalização prevista por lei.

Adicionalmente, os rejeitos de usinas nucleares, cuja radiação permanece por um período de 50 a 300 anos, carecem de gerenciamento a longo prazo. Após um acidente em Goiânia em 1987, que resultou na morte de 400 pessoas, foi criado no Brasil um repositório provisório para o armazenamento de lixo nuclear. Contudo, ainda não há solução definitiva, motivo pelo qual o MPF/RJ ingressou, em 2007, com ação civil pública contra a União, a CNEN e a Eletronuclear, requerendo a instalação de depósito definitivo para os rejeitos radioativos das usinas nucleares.

Houve, então, apresentação de emenda constitucional (PEC n° 171/07, afinal arquivada) para permitir à iniciativa privada a pesquisa e a lavra de minerais nucleares, a mesma flexibilização que se fez em relação à Petrobras. A proposta baseava-se na premissa da energia limpa e na crescente demanda por energia nuclear, gerando a alta dos preços de urânio. Argumentava-se pelo crescimento dos investimentos no setor ao redor do mundo, principalmente no que se refere à prospecção que, no Brasil, permanecia estagnada desde a década de 1980. Vislumbrou-se, portanto, a abertura do mercado das operações de pesquisa e lavra do urânio como uma saída para a falta de investimentos no setor por décadas. Nessa PEC, previa-se a permanência com a União do monopólio quanto ao enriquecimento, à industrialização e ao comércio do urânio.

O fim do monopólio da atividade minerária do urânio geraria maiores investimentos, quando poderiam ser descobertas jazidas adicionais, vez que se acredita que haja no país a segunda maior do mundo, o que traria o país ao topo do ranking mundial.Dessa forma, a exploração aumentaria, levando o Brasil efetivamente a um patamar internacional, podendo atuar, inclusive, como exportador.

Autora: Maria Alice Doria e Maria Antonia Bastos Tigre

Sócia e advogada associada da área de Direito Ambiental do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados.

Fonte: Correio Braziliense


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