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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Correio Forense - Pagamento de outorgas urbanísticas - Direito Tributário

03-01-2011 07:30

Pagamento de outorgas urbanísticas

Na edição do dia 6 de dezembro, veiculou-se o artigo "Renovação de Alvará de Funcionamento", abrigando tema atual e relevante para as esferas pública e privada concernente às outorgas urbanísticas. Foi relatado o problema da imposição de pagamento da Onalt para renovação de alvará de funcionamento para atividades empresariais que já estariam estabelecidas há muito tempo, o que, segundo o autor do artigo, implicaria violação à liberdade constitucional de exercício de atividade econômica (art. 170/CF). Foi dito que exigir o pagamento da outorga como condição para expedição de licença de funcionamento seria impor ao administrado via imprópria de recebimento de tributo, quando o Estado possuiu regras para cobrança de seus créditos.

Com a finalidade de enriquecer o debate, vimos formular este modesto contraponto e, ao final, ousar discordar debatendo a natureza jurídica da Onalt. Convém observar que a Constituição de fato adotou o princípio da livre iniciativa como valor fundamental da República ao lado dos valores sociais do trabalho (art. 1º), reescrevendo-o posteriormente como pilar da ordem econômica (art. 170), juntamente com outros princípios formadores dessa ordem, e certamente não menos importantes, a exemplo do princípio da função social da propriedade. Esse princípio tem grande relevância para a compreensão do tema pertinente às outorgas urbanísticas, entre as quais se insere a Onalt, cuja natureza jurídica, longe de configurar tributo, precisa ser melhor compreendida.

É evidente que a própria Constituição afasta o caráter absoluto do princípio da livre iniciativa, o qual deverá sim ser respeitado, mas em harmonia com os demais princípios constitucionais. A Carta de 1988 regulou também no campo dos princípios a política de desenvolvimento urbano, afirmando claramente que a propriedade urbana cumpre a função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, § 2º). A licença de funcionamento insere-se nessa ordem. No plano ordinário, o Estatuto da Cidade estabeleceu diretrizes da política urbana e afirmou que o objetivo dessa política é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e, por isso, criou instrumentos jurídicos. entre os quais se encontram as outorgas urbanísticas: outorga onerosa do direito de construir (Odir) e outorga onerosa de alteração de uso (Onalt). Essas são instituídas com base no Plano Diretor e cumprem a função social da propriedade, atendendo necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, e ao desenvolvimento das atividades econômicas (arts. 28, 29 e 39 do Estatuto).

Tais outorgas inserem-se no planejamento urbano com possibilidade de transformar a realidade da cidade, quando, por exemplo, no caso da Odir, a lei faculta em determinadas áreas a construção em densidade superior ao coeficiente de aproveitamento básico, ampliando idealmente o potencial de edificação dos terrenos, mediante pagamento de certo preço. No caso da Onalt, o texto sob comento citou a conhecida alteração de uso de imóveis comerciais para posto de revenda de combustíveis, que da mesma forma acarreta impacto na malha urbana, submetendo o proprietário a prévio pagamento de valor a título de compensação pela sobrecarga da infraestrutura acarretada pelo novo uso atribuído ao imóvel.

É inegável, portanto, que as outorgas atendem, simultaneamente, aos interesses particulares e coletivos, pois induzem o uso da propriedade de acordo com a função social, realizando a justa distribuição dos benefícios e encargos do processo de urbanização. Assim, a criação ideal de solo para mais edificar e a alteração de uso para potencializar o lucro visado no comércio de bens e serviços, além de inegável valorização imobiliária, implicam consumo de infraestrutura urbana com a qual o proprietário não colaborou para o financiamento, sendo justo, por isso, que a sociedade seja indenizada.

Demonstrada a justiça social da cobrança das outorgas urbanísticas, argumenta-se mais, na definição da natureza jurídica dos institutos, que seu pagamento não é compulsório, antes é ônus do proprietário se quiser adquirir o direito. O beneficiário pode ou não adquirir o direito de construir acima do coeficiente básico ou alterar ou não uso do imóvel. Optando pelo ônus urbanístico, o interessado irá, mediante pagamento de preço público, compensar a coletividade pela sobrecarga da infra-estrutura urbana gerada pelo acréscimo de potencial construtivo e pela alteração de uso.

A inexistência de compulsoriedade afasta a alegação de exação tributária por vezes repetida nesse tema. Bem se vê que se cuida de aquisição de direito subordinado à iniciativa privada do beneficiário, o que remete o assunto à liberdade de disposição contratual gerando o pagamento do preço pelo benefício. O STF já decidiu nesse sentido: RE 387.047-5/SC (rel.min. Eros Grau, em 2008). Assim, não sendo tributo, não podem subsistir os argumentos de indevida retroatividade na cobrança dos valores correspondentes. A regulação da Onalt/Odir no Distrito Federal ocorreu primeiramente no PDOT de 1997 e as normas posteriores apenas disciplinaram a cobrança. O valor é devido desde o requerimento do proprietário e deve ser pago antecipadamente, pois visa compensar a coletividade, subsidiando os cofres públicos com recursos para novos investimentos urbanos.

Não impressiona, por fim, o argumento de defesa da renovação de licenças de funcionamento sem o pagamento do preço, já que a menção à renovação tem clara a ideia de que se cuidaria de ocupação provisionada de alvará precário, o qual, depois de expirado, não pode ser renovado sob qualquer ótica, conforme entende pacificamente o TJ-DF. A nova licença deverá ser emitida em caráter definitivo com sujeição às condições legais, entre as quais o pagamento prévio das outorgas, quando for o caso, sem que isso implique limitação ao exercício de atividade empresarial ou cobrança de tributo.

Autor: Emílio Ribeiro

Procurador do Distrito Federal, exerce suas funções na Procuradoria de Meio Ambiente, Saúde, Patrimônio Urbanístico e Imobiliário

Fonte: Correio Braziliense


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