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terça-feira, 3 de agosto de 2010

Correio Forense - Princípio da anualidade: Precedente do Supremo pode afastar Lei do Ficha Limpa para esta eleição - Direito Eleitoral

02-08-2010 09:00

Princípio da anualidade: Precedente do Supremo pode afastar Lei do Ficha Limpa para esta eleição

O princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal para alteração do processo eleitoral, prevalece mesmo sendo promovida por emenda à Constituição ou decorrente de Lei Complementar. Este é o entendimento firmado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685/DF, que afastou a aplicabilidade da EC nº 52/06, para a eleição de 2006. O fato da Lei nº 135/2010 ser da hierarquia complementar não importa na sua imediata aplicação.

O acórdão ficou assim redigido:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). 4. Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral. 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência. (STF - ADI 3685 / DF – Pleno - DJ 10-08-2006 PP-00019 – rel. Min. Ellen Gracie).

O Ministro Gilmar Mendes, quando do seu voto, abordou o tema da anualidade do Direito Eleitoral sob o aspecto em relação aos direitos e garantias do candidato.

Afirma o Ministro Gilmar Mendes “No presente caso, assume relevância a cidadania com direito de participar do poder político. É interessante notar que a Constituição de 1988, em seu Título II, ao dispor dos direitos e garantias fundamentais, incorporou a regulamentação constitucional dos partidos políticos, o que revela a intenção constituinte de concebê-los como garantias do pleno exercício dos direitos políticos. Nesse sentido, é possível conceber a vontade constituinte de que o exercício da cidadania política se desse não apenas por aqueles que votam (eleitores) ou podem ser votados (candidatos), mas também pelos partidos políticos. Os direitos políticos, desta forma, possuem como titulares os cidadãos que votam (eleitores), os cidadãos que podem ser votados (candidatos), assim como os partidos políticos”.

Prossegue com sua manifestação substanciosa proclamando “O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de regras que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a restringi-las ou subtraí-las”.

E continua com sua exposição “O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. As restrições à essa regra trazidas na medida em que não afetem ou anulem o exercício dos direitos  fundamentais que conforma a cidadania política”.

O Ministro Gilmar Mendes conclui o seu voto, neste ponto, dizendo que “Portanto, é preciso analisar em que medida a EC 52/2006, ao afastar a aplicação da regra da anualidade do art. 16, restringiu ou anulou o pleno exercício da cidadania política por parte de seus titulares: partidos políticos; cidadãos-candidatos; e cidadãos-eleitores”.

E que “...Uma vez que essa situação jurídica dos candidatos se encontra caracterizada na forma das normas vigentes do processo eleitoral, eventual alteração significativa nas ‘regras do jogo’ frustra-lhes-ia ou prejudicar-lhes-ia as expectativas, estratégias e planos razoavelmente objetivos de suas campanhas”.

A Ministra relatora Ellen Gracie enfocando o princípio da anualidade no processo eleitoral, no seu voto disse “Não me parece que a Constituição Federal tenha pretendido suportar anomalia por ela mesma combatida quando a regra modificadora for integrada ao seu próprio texto. Por esse raciocínio, todas as vezes que se pretenda burlar a norma anticasuística, será possível lançar mão da elaboração de emenda constitucional, até o princípio consagrado pelo constituinte originário esteja completamente nulificado”.

A Ministra relatora diz ainda que “No tocante à garantia fundamental do devido processo legal, na sua ótica substancial, ressaltou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, na ADI 354, não ser o bastante, para o processo eleitoral, que o jogo possua regras, sendo, assim, necessário que estas sejam prévias ‘à apresentação dos contendores e ao desenvolvimento da disputa e, portanto, imutáveis, até a sua decisão’. Assevera ainda, S. Exca que a anterioridade exigida pelo art. 16 ‘é essencial à aspiração de segurança e de isonomia, que estão subjacentes à idéia qualificada de processo, como devido processo legal”. Trata-se, aqui também, de um devido processo legal qualificado, não bastando que o legislador, mesmo constituinte derivado, respeite os preceitos que regem o processo legislativo, impondo-se, ainda, a observância a anterioridade”.

Já o Ministro Joaquim Barbosa expôs que “O princípio da anualidade, é escudado dizer, visa exatamente a preservar a segurança do processo eleitoral, afastando qualquer alteração feita ao sabor das conveniências de momento, seja por emenda constitucional, seja por lei complementar ou ordinária”.

A Ministra Ellen Gracie oportunamente ressalta que “Também não procede a afirmação de que este Supremo Tribunal teria considerado a aplicação da norma prevista no art. 16 da Constituição Federal restritiva à atividade do legislador ordinário, por ter entendido legítima a aplicação imediata da Lei Complementar 64/90 (Lei das inelegibilidades), que veio atender a imperativo presente no art. 14, § 9º, da Constituição Federal. No julgamento do RE 129.392, rel. MIn. Sepúlveda Pertence, entendeu a maioria dos membros do Plenário que o citado art. 14, § 9º, da Carta Magna exigia a elaboração de um diploma inovador que viesse complementar o novo regime constitucional de inelegibilidades. Trata-se, portanto, de uma exceção ou de uma conformação de vontades do próprio constituinte originário, que não descaracteriza o princípio da anterioridade como uma garantia constitucional fundamental capaz de limitar o exercício do poder de revisão.”

O Ministro Carlos Britto declarou “A Constituição como que a dizer, metaforicamente: “devagar com o andor que o santo é de barro”. Daí que essa obrigatória vacância legal se caracterize como verdadeiro princípio de anualidade ou de anterioridade ânua, em matéria eleitoral”.

Por sua vez, o Ministro Cezar Peluso asseverou “Somente essa extensão lógico-normativa é apta a garantir o primado da segurança e da certeza jurídica, pois não faria senso algum discernir entre normas constitucionais e normas subalternas perante a ratio iuris, que é a de atribuir certa estabilidade ao processo eleitoral. Mudança por emenda implicaria a mesmíssima instabilidade que repugna ao art. 16”.

Autor: Equipe jurídica
Fonte: Redação


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