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segunda-feira, 30 de março de 2009

Agência Brasil - A Agência pública e a democratização da comunicação - Direito Público

 
27 de Março de 2009 - 10h10 - Última modificação em 27 de Março de 2009 - 10h15


A Agência pública e a democratização da comunicação

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC

 
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Brasília - Na semana passada uma polêmica envolveu esta Ouvidoria e a Agência Brasil a partir da demanda do leitor Adilson Nascimento dos Santos, engenheiro agrônomo, que escreveu para: “manifestar descontentamento e desaprovação pela utilização do termo ‘invasão’ para designar os processos de ocupação de terras realizados sob a organização de movimentos sociais. ... Ora essa polêmica semântica é bem conhecida no Brasil. Os grandes proprietários de terras no Brasil são os beneficiários de uma das distribuições de terra mais injustas no mundo. Segundo o Estatuto da Terra, de 1964, segundo a Constituição de 1988, regulamentada pela Lei 8629/93, grandes propriedades improdutivas devem ser desapropriadas para fins de reforma agrária. Diante da morosidade do estado em fazer cumprir a lei, os movimentos pressionam por meio das ocupações. E são ocupações porque a terra está desocupada, ou seja, não está cumprindo sua função social. Ao ocupar a terra  o movimento lhe dá algum sentido social (a possibilidade de atender aos pobres que desejam cultivar a terra). Entretanto, os beneficiários da iníqua distribuição de terra, influentes sobre os meios de comunicação alcunharam a situação de ‘invasão’.  Ora, invasão ocorre quando a posse pela força impede o exercício da função do bem. Mas, neste caso, o bem não está cumprindo sua função. Portanto, a terminologia é indevida. Que meios de comunicação como Rede Globo de Televisão - que é uma concessão pública -, revista Veja, jornal Folha de S.Paulo, jornal Estado de S.Paulo, jornal O Globo  etc. historicamente vinculados à classe dos proprietários de terras utilizem o termo invasão é compreensível (apesar de inaceitável).”

A primeira resposta da ABr para o leitor dizia que: “Tratamos estas ações como invasão, por serem feitas sem amparo legal e com o objetivo de tomar para si uma área rural ou urbana quando, diante da lei, pertencem a outrem. O Brasil vive Estado de Direito, com ampla liberdade de defesa e de expressão, não cabendo a nós outra interpretação.”  

Ao que esta Ouvidoria ponderou: “Segundo a Constituição Federal, o pertencimento de uma terra a outrem está sujeita às condicionalidades destacadas pelo leitor, como por exemplo, que ela esteja cumprindo sua função social. Vide o Estatuto da Terra que disciplina a matéria. Quando o MST ocupa uma terra que não cumpre sua função social ele está justamente mostrando ao Estado que ele não está cumprindo a lei, pois deveria desapropriá-la em benefício da reforma agrária. Portanto, antes de julgarmos se as ‘invasões’ são feitas sem o amparo legal, precisamos nos certificar de que lei estamos falando. Isso não é uma simples questão semântica ou ideológica e tampouco uma questão de interpretação. É antes de mais nada um compromisso com a legislação em vigor no estado de direito.

Em sua réplica a ABr disse que: “Cabe, neste caso, a quem de direito dizer se a referida terra cumpre ou não a sua função social, no caso o Incra. Como uma empresa pública de comunicação não entendo que caberia à Agência Brasil fazer este tipo de juízo ou valor. O movimento social tem defendido esta visão de ocupação, é um direito. O termo, na realidade, não reflete adequadamente o ato praticado (ver dicionário). ‘Quando o MST ocupa uma terra que não cumpre sua função social ele está justamente mostrando ao Estado que ele não está cumprindo a lei, pois deveria desapropriá-la em benefício da reforma agrária’, é verdadeiro, mas este ato, do ponto de vista legal,  é visto pelo Poder Judiciário como uma invasão, o que tem motivado   decisões de reintegração de posse dos seus proprietários.

Em resposta à ABr, esta Ouvidoria sugeriu que: “Então temos uma questão de ponto de vista, ou seja, de abordagem do problema. Do ponto de vista dos movimentos sociais, eles estão fazendo uma ocupação de uma propriedade que está desocupada, sob a ótica da função social da terra. Do ponto de vista do latifundiário isso é interpretado como sendo uma invasão. Se a Justiça  determinar a reintegração de posse ela estará julgando que o direito à propriedade está acima da função social da terra. Caso ela não determine a reintegração ela terá julgado ao contrário. Não seria interessante que a ABr, como uma agência plural, que tem a missão de fornecer informações para que se estabeleça o debate, mostre que a questão é polêmica,  e que há pelo menos dois lados que historicamente se confrontam, inclusive explicando ao leitor a questão do arcabouço legal?

Em sua tréplica a Agência Brasil considerou que: “Seguimos a interpretação de que é uma invasão por ser um entendimento do Poder Judiciário- e todo o rito processual seguido pelo Incra -  não é uma decisão da Agência Brasil, ao contrário do que seu texto diz,  de dar curso a uma interpretação do latifúndio. Concordo que a questão é polêmica por envolver aspectos legais e de direto dos movimentos sociais e proprietários rurais. Vamos ver como podemos contribuir para esclarecer a questão.

No entanto, na ultima segunda-feira, a Agência Brasil informou a esta Ouvidoria que: “Compreendemos os argumentos do leitor, mas continuaremos usando o termo ‘invasão’ por ser o mais preciso e adequado. “

No sentido de colaborar para esclarecer a questão vale lembrar que nas matérias sobre a Raposa Serra do Sol a ABr tratou os fazendeiros como “não-índios” ou “arrozeiros” [sic] “que ocupam”, e nunca como “invasores”, apesar de agirem ao arrepio da lei, uma vez que o governo havia decidido há anos que a função social das terras era a de servir de reserva indígena.  Da mesma forma, quando estudantes ocuparam o prédio da reitoria da UnB em 2008, a ABr nunca tratou os manifestantes como invasores nem a ação como invasão. Mas, quando os sem-terra fizerem uma ocupação, a ABr dirá que é uma invasão. Dois pesos e duas medidas? O que é ser mais “preciso e adequado” neste caso? Como se justifica editorialmente tal decisão?

No campo, pelo fato de não existirem ruas, avenidas ou prédios públicos com aglomeração de pessoas, o local preferido para as manifestações é a própria terra, objeto da disputa. Assim como estudantes de uma universidade ocupam o prédio da reitoria para manifestar seu descontentamento com a política educacional, os sem-terra ocupam as terras para manifestar seu descontentamento com a execução da política de reforma agrária.

A Agência Brasil tem toda a razão quando diz que não cabe a ela fazer juízo de valor. No entanto, se abordar o problema pelo argumento da prevalência da propriedade privada sobre a função social, ao contrario do que diz a Constituição Federal, classificando a manifestação dos sem-terra como invasão, ela não estará tomando partido de um dos lados da questão? Quais seriam as outras possíveis maneiras de abordar o problema para não ficar diante de um juízo de valor, refém de uma armadilha ideológica e semântica, vítima de uma contradição que nossa sociedade ainda não foi capaz de resolver e que não cabe a uma agência pública de notícias arbitrar?    

Mas, entre tratar de aspectos policiais da demanda individual de alguém que se diz proprietário de uma terra “invadida” e a ação coletiva de um movimento social que “ocupa” uma terra por julgar não cumprir sua função social, não caberia a Agência cobrir o processo histórico da reforma agrária do ponto de vista de política pública do estado brasileiro? Política definida constitucionalmente, com objetivos e metas estabelecidos nos Planos Plurianuais, com orçamento anual do governo federal que precisa ter a eficácia e a eficiência de seus programas verificados e fiscalizados. A abordagem a partir do interesse público contextualizaria eventuais demandas judiciais facilitando sua compreensão pelo leitor.

A Abr poderia informar que, segundo a lei, antes de ser objeto de acumulação de capital, mercadoria para especulação imobiliária e patrimônio privado de alguém, a terra deve cumprir certos objetivos tais como   ser produtiva, preservar o meio ambiente, assegurar boas relações de trabalho e explorar os recursos de um modo que favoreça tanto os proprietários como os que nela trabalham. A propriedade rural que não cumprir qualquer um desses objetivos é passível de desapropriação para fins da reforma agrária e, para explicar por que a lei estabelece essas condicionalidades, a Agência poderia, por exemplo, recuperar o processo de discussão do Estatuto da Terra e sua incorporação pela Constituição de 1988. Será que a situação fundiária do país mudou muito desde então?

A discussão sobre os índices que determinam qual a quantidade mínima que uma propriedade rural deve produzir para ser considerada produtiva, por exemplo, foi objeto de uma série especial de onze matérias produzidas pela ABr em 2006. Nela, o então ministro do Desenvolvimento e Reforma Agrária, Miguel Rossetto declarava, em matéria publicada em 26 de janeiro daquele ano, que os índices usados na definição de áreas para reforma agrária “seriam revistos até fevereiro”. Três anos se passaram desde então e os índices não foram revistos. Atualizar esse debate e saber por que os índices, baseados na produtividade média das propriedades rurais em 1975, depois de 34 anos, não foram atualizados, apesar de a produtividade ter mais que dobrado nesse período, seria uma informação importante para leitor.

Assim como esse, há muitos outros aspectos a serem debatidos pela sociedade se ela quiser definitivamente resolver o problema. Trazer o assunto que está na agenda da cidadania para o espaço público de discussão e argumentação, propiciar o acesso do leitor a informações isentas e contextualizadas e, desta forma, invocar a necessidade de deliberação dos poderes constituídos, pode ser justamente a contribuição que o engenheiro agrônomo Adilson Nascimento dos Santos espera da ABr ao lembrar que “a Agência Brasil, nasceu como um instrumento público de comunicação, com o objetivo de democratizar a comunicação”.

 

Até a próxima semana.

 



 


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